[exposição individual]

Libélula


São Paulo, 2024 | Galeria Aura

Texto curatorial por Victor Gorgulho

Libélula

Qual a medida da natureza? Podemos nos perguntar, ao nos colocarmos diante da imensidão sem escala do organismo natural que cobre nosso vasto planeta. Tal questionamento e maneira de intrigar-se diante dela é similar ao que tantos artistas, ao largo dos últimos séculos, puseram-se a indagar. Em outras palavras: a natureza tem sido, de várias e distintas maneiras, uma espécie de musa de tantos artistas e, assim também ela é, aqui, o centro da obra de Luiza Gottschalk.

Em sua segunda exposição na Aura, a artista apresenta um conjunto inédito de mais de vinte pinturas em pequena escala produzidas nos últimos seis meses. O último semestre, emblemático não apenas como a janela temporal em que foram realizadas as presentes obras, marca também um momento em que a artista escolhe, junto de sua família, afastar-se do caos urbano e aproximar-se da vida próxima à natureza.

A Libélula que dá título à mostra é também o nome da moradia – Casa Libélula – que a artista e sua família escolheram para abrigá-los, em conjunto, distante da cacofonia da grande cidade e próximos da imensidão verde (azul, laranja, multicolor...!) da natureza que agora os cerca. Na presente exposição, a questão da escala das pinturas, dentro do corpo da obra da artista, é notadamente uma questão central a ser explorada – por parte da autora e de nós, que agora vislumbramos o resultado de sua mais recente investigação no campo pictórico.

Se, em obras anteriores, a natureza aparecia como figura central de pinturas de médias e grandes escalas, no presente conjunto de trabalhos notamos o desejo de contenção empreendido pelo olhar de Gottschalk a essa mesma temática. No entanto, nas palavras da própria artista, a forma como acaba por colocar em janelas menores a vastidão sem fim da natureza que tanto à inspira, é ao modo de realizar uma espécie de “zoom”, uma aproximação radical do olhar – e, portanto, das pinceladas – que retratam recortes de paisagens maiores, de cenários infindos.

Se boa parte da produção artística contemporânea que encontra na natureza seu maior (e mais vasto, literalmente!) campo de interesse acaba por trilhar um delicado trajeto entre a abstração e a figuração, a obra de Luiza Gottschalk é tanto prova desta constatação como também a desafia, coloca-a em patamar ainda mais alto em seu grau de complexidade semântica e de fatura da própria pintura em si. As telas de Gottschalk, através do uso de diferentes tipos de tinta e de uma gama variada de pinceis, em distintos tamanhos, nos lançam a inacabáveis campos de interpretação possíveis, para além, até mesmo, da infinitude de leituras presentes na própria natureza.

Acabam, ao fim, por extrapolarem os limites daquilo que é dito abstrato ou figurativo: estamos diante não mais da natureza, mas, quem sabe, de uma reconfiguração completa – se é que era possível, nos perguntamos, em primeiro lugar – da própria absorção da natureza em si.

Talvez ela esteja sendo vista aqui não mais pelos olhos racionais de um ser humano, mas, sim, pelos olhos decididamente erráticos e imensamente poéticos de um ser meio artista, meio libélula, cuja capacidade de voo artístico é dotado, também, de nos levar a sobrevoar, junto consigo, a imensidão aqui contida e ao mesmo tempo (vejam só!) ampliada, na forma e nos gestos delicadamente guardados nas pinturas de Luiza Gottschalk, enfim.